Extraordinariamente, vi-te partir na chegada!...
...Vinhas em crise, na recta da meta, esgotada da corrida, saturada do medo de não chegar ao fim! O corpo... todo dorido, ameaçava-te a cada passada deixar de obedecer à tua vontade, rendido ao cansaço, pronto a abandonar-te, a deixar-te sozinha na derrota, no caminho...
Olhei-te nos olhos, auscultei-te a expressão que trazias na face e no corpo, e durante momentos que pareceram sem fim... não te reconheci, de deformada que estavas! Espelhavas desanimo, esvaias-te em suor e, ofegante, incapaz de articular palavras... era assim que te queixavas. Esgotado o fôlego, não te ocorria nem conseguirias dizer nada, cansada que estavas dos estratagemas, de quem te punha a correr para apostar no teu adversário, e em redor, um turbilhão avalassador alimentava a tua dor. Um burburinho crescente de vozes e vaias, que fazia de ti uma gazela nervosa em fuga para a meta, consumia-te as últimas calorias. O vassalo impotente... mais uma vez crescia em ti, o galgo e a lebre fundiam-se-te na alma e corrias desesperada, em risco de te rebentarem os bofes, para gáudio de uma multidão que assistia distraída, segura do desfecho, trocando impressões sobre iates, corridas de cavalos de sangue puro, luvas para golfe de pele de pinguim, pitarocas de meninas de dez anos e falos cor de rosa... e tu, concentrada na corrida, avançavas em pedaços que abandonavas dispersos por onde passavas, sempre e cada vez mais em câmara lenta, com o burburinho destorcido pela lentidão, que te ecoava na cabeça, até que... já próximo da meta, no final daquela recta, na iminência do desfalecimento, da queda... deste conta dos sentidos inundados, pelo jorrar do champanhe que escorria nas bancadas delirantes com a vitória que a tua derrota coroara, pelas gargalhadas debochadas numa festa em que tu, eras o bombo! Sentiste-te atingido na alma, pelas graínhas dos bagos de uva a serem cuspidas para a arena, enquanto num olhar de relance sem dó, te vaiavam o lugar...
Não se sabe bem a razão! ...Nem todos respondem da mesma maneira! Mas tu... invadidos os músculos por uma subtância que eu julgo composta por revolta e indignação, cortas-te a meta no teu lugar... e partiste... sem parar, como uma seta, cheia de força, agora sem um queixume... rumo a nenhum lugar!
...Nunca ninguém mais te viu, a engrossar a bancada correndo com a força do crédito, oferecido na partida e retirado na recta da meta, já bem próximo da chegada...
2 comentários:
Mmmmm.... esta segunda partida foi mesmo rumo a lugar nenhum? Ou foi em direcção a um destino aceitável?
Que fácil é cairmos nos "incentivos" destes "treinadores de bancada". Basta um momento de distracção.
Diz-se, que quem corre por gosto não cansa! Correr rumo a lugar nenhum, conduz-nos sempre a algum lugar. Ao contrário, correr às voltas para encher as bancadas, com o crédito dado à partida e retirado na recta da meta, conduz ao estado em que esta corredora estava... esgotada! Talvez um dia, esta corredora, composta por todos nós, se canse de correr para encher as bancadas e indignada se revigore e parta cheia de força, sem medo, ainda que sem rumo definido, correndo por gosto, deixando nas bancadas gente anafada, com os olhos postos no seu atleta sem concorrentes e nada para ganhar!
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