Fugia de si próprio por veredas pantanosas, lançava-se em corrida desesperada ao longo de túneis escuros de que não lhes via o fim e, chegava até a sentir-se culpado, por essa fuga em demanda de paz, que havia iniciado desde que se lembrava de ser gente.
Quisera deambular livre, simplesmente. Extasiar-se com a beleza de prados floridos, embrenhar-se em bosques frondosos colhendo frutos e raízes silvestres, com que alimentar o corpo e regalar a alma. Quisera, comungar com a natureza, banhar-se e beber a água em ribeiros cristalinos, encher o íntimo com lampejos de felicidade ouvindo pássaros cantando, sentindo no âmago a vida que pulula e os odores inebriantes que, imaginava, inundariam essas paragens. ...Quisera, por um momento, encontrar-se a sós consigo, guardar no peito raios de luz que dançariam por entre a folhagem e à noite, vencer medos antigos das sombras, num banho de luar contemplando rendido e sereno, o céu estrelado.
Mas a vida, nunca lhe permitira sair do asfalto e os carreirinhos que pisava e não conhecia, os atalhos por onde em desespero se metia, iam todos dar ao ponto de partida!... Um sítio demasiado iluminado, que nunca lhe permitia ver sequer, a lua!
Perturbado... porque para com as obrigações que lhe criavam ele era faltoso, sentia ruir a estrutura e adivinhava-se apontado em cada esquina que dobrava, como um doido de cabeça estouvada em quem não se confia. Chegou até a sentir-se... o porquê dos males existentes e de outros que estarão para vir... e, era por isso, talvez até... só por isso, que almejava fugir. ...Não sabia como, nem para onde. ...Quando nasceu, todos os pedaços de terra tinham sido conquistadas e já tinham dono!
Pregavam-lhe multas, cobravam-lhe por tudo e por nada; o preço de um selo inventado, de um carimbo... uma comissão... e até pela dor que sentia no peito, pelo desgosto... lhe cobravam um imposto!
Mandavam-no ganhar o dinheiro para pagar... e ele, consumia para pagar, produzia para ganhar, ganhava sempre a perder, a toda a hora, em qualquer lugar, de qualquer maneira. Depois... claro, era multado!... Por ir apressado, por chegar atrasado, por não ter conseguido dar mais do que tinha!...
...Fugia de si próprio, envergonhado. Fugia parado. Obrigado a pagar para produzir, a comprar licenças para vender e a cobrar um imposto a quem lhe queria comprar, para depois entregar a quem no fundo geria a sua vida! Pagava para vender, vendia para pagar, pagava para não ser multado e quando o era, por não ter sido capaz de ganhar o suficiente... via a dívida agravada e chegou a ter que pagar com o corpo. Até que um dia... em agonia, sentiu-se forçado a vender fracções da alma ao diabo!... É que esse... pagava bem, e ele... estava cheio de dívidas.
3 comentários:
É dramático; mas, este acossado, eu conheco-o muito bem!
Excelente.
:) É este o prometido post sobre depressões? Conseguiste expôr aqui alguns dos nós cegos que às vezes damos nas nossas voltas à vida. E os que os "outros" nos dão, também.
A depressão, se calhar não passa de uma grande dívida... à vida, ao amor-próprio, à afectividade, ao tempo e por aí fora. Os nossos neurónios arranjam sempre forma de descobrir uma dívida qualquer...
Lendo e relendo este teu post, quase me vejo retratada nele, mais uma no meio desta sociedade em que vivemos, uma vez que todos temos "dívidas".Os "nossos tempos", obrigam-nos a pagar cada vez mais para ter cada vez menos. Menos qualidade de vida, daí os cimentos e as ruas iluminadas que nem deixam ver a lua. Menos tempo para apreciar o pouco de bom que ainda nos resta, ou seja o sorriso dos filhos, as sãs palavras do amigo que não vemos há séculos, os passeios para os quais não temos tempo, etc, etc. É como dizes, pagamos para ter e para não ter, e vamos ficando devedores. Depois é como a bola de neve, não para.
Outro post que evidencia o excelente "jeito" que tens com as palavras, parabéns.Besitos
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