segunda-feira, janeiro 03, 2011

O insustentável peso do ter


Foi já no reino da abundância, que descobriu em si buracos sem fundo! Para trás, tinham ficado a sardinha a dividir por quatro, nacos de broa rija esfarelada na sopa para aconchegar o estômago, desejos de um dia ver o mar ...sair da "santa terrinha".
Afoito, sedento, migrou p'ró litoral. Tornou-se um genuíno metropolitano cheio de jogo a par das modas e tendências. Aprendeu a construir sem licenciamento, a corromper fiscais, a opinar, a ter preferências, também quis provar caviar e tudo o mais de que só tinha ouvido falar.
Quando lhe disseram que tinha conquistado a liberdade... não sabia o que dizer ou pensar! ...Na essência, parecia-lhe bem! ...Livre! ...Para comer fartas sardinhadas, puxar a brasa à sua sardinha e, reenvindicar direitos alinhavados à pressa com o poder de imputar culpas a quem lhe entravava a marcha. ...Definitivamente, era "música para os seus ouvidos". ...Ruídos?!
...Tomar em mãos as rédeas da sua vida sem ter que se dobrar, reflectir, não aceitar o cavalo sem lhe olhar o dente, tirar os olhos do umbigo e ver-se impelido a encontrar em cada esquina um amigo... um irmão... tem-lhe consumido o neurónio de tal forma, que não só se encontra deprimido... ...abandonado ...traído... como, em face da relativa incompetência para ser, encontrou o comprimido. O paliativo para os impropérios da alma! A forma de suportar o tanto ter e as ganas de continuar a desejar ter mais.

1 comentário:

Uljota disse...

Eu tinha que ler este texto! caramba! gostei bastante e tem uma temática que muito me interessa... Eu deixei escapar qualquer semelhança deste texto com a obra de Milan Kundera - a Insustentável levesa do ser - mas notei a influência no título (claro!)
gostei da temática, idéias e até da musicalidade deste texto.