sexta-feira, abril 29, 2005

Paradoxo

Existe, à velocidade do pensamento, sem ter que sair do centro ou que carregar com o peso da existência. Liberto. ...De amarras do tempo e do espaço, de crenças medos e ilusões, do bem e do mal! ...Um ser livre, de energia pura. ...Daquela que pulsa e existe em todos os lugares.
É, todas as coisas e nadas, pedaços de si, creador de sonhos sementes de onde brotam realidades, espaços e tempos em que se expande e recreia. E, quando nessa senda se sente disperso... demasiado longe de si mesmo, concentra-se em matéria que de tão densa o leva a duvidar da existência! ...Daí se expande, em direcção a todos os lugares! Uma vez mais e sempre.
Existe, qual paradoxo, inventado por si próprio...

sexta-feira, abril 22, 2005

terça-feira, abril 19, 2005

Um momento de tréguas

Fogo na peça!... Gritava empolgado o cabo raso ao soldado, cumprindo ordens de um sargento ajudante que se mantinha distante e resguardado, não fosse o diabo tecê-las...
Naquela guerra, tudo era como em qualquer outra!... Todos queriam matar para não serem mortos... um clima de medo alimentava um ódio cego - fornecido na partida - com destino vago... um ou outro candidato a herói, sonhava com uma medalha, os militares de carreira preparavam a promoção e, na realidade, ninguém sabia, como se tornara possível aquele desamor que grassava campo fora; batalha após batalha, cada uma mais sangrenta que a anterior!
Falava-se, nas trincheiras nauseabundas, que no topo do comando havia um general, que por táctica obedecia a um civil bem colocado, membro de um clube a cheirar a rosas com interesses secretos em que as coisas fossem estando nesse estado. ...Mas isso, nunca foi autorizado a ser provado em tempo útil e, alguns dos que o diziam chegaram a ser condenados por difamação a indivíduo indeterminado...
O soldado - que acendia o rastilho, dava fogo à peça e disparava a bala, que alombava com a carga e cavava as trincheiras -, evitava o que podia, ver-se a braços com a alma suja! ...Cada vez que tropeçava num corpo abandonado a que tinha tirado a vida, escolhia acreditar, ter cumprido o seu dever, levando a cabo a missão que lhe fora destinada. ...Sem saber ao que andava ou o porquê do que fazia... não sabia, nem queria saber... mais nada!...
Finda a guerra, a euforia do saque - na paz que entremeia cada tumulto -, lambiam-se as feridas, vinham à baila os traumas e, em noites mal dormidas, havia quem sentisse a consciência pesada... mas já não valia de nada... uma guerra estava feita e outra... ao lume, fervilhava. Um lume... alimentado, por um civil bem colocado que garantia ser aquela a via para chegar à paz!
...Mas nunca nada foi autorizado a ser provado em tempo útil. Não se lhe sabia o nome e a morada e, o soldado, não sabia nem queria saber mais nada. ...Já bem lhe bastava expiar culpas e reenvindicar os direitos de antigo combatente.

sábado, abril 09, 2005

Contacto

Através de vidros foscos, olhavam-se desde sempre e, por vezes, chegavam a sentir-se cúmplices. Nenhum sabia quem o outro era, e qualquer deles, estava muito longe de se entender como parte de um ser uno. Alguns, tinham vislumbres em que queriam acreditar... mas as coisas eram vagas, e ao que uns chamavam de percepções, os outros garantiam não passarem de fantasias que alimentavam ilusões!
...Por vezes... um, esboçava um aceno, sem qualquer certeza de que alguém o recebesse. E, se por acaso ou necessidade um outro o percebesse... calhando (com mais ou menos fé), respondia. Sempre sem garantia de manter o que quer que fosse.
Mais que uma vez, viveram momentos suspensos que lhes pareceram de ternura e sintonia. Alguns, sentiram o coração arrebatado por uma estranha sensação fugaz, cujo sentido se perdia entre sombras projectadas em terreno desconhecido.
Em busca de contacto... palmas das mãos coladas ao vidro... a ponta do indicador... era o bastante para que a imaginação parisse brotos promissores de onde poderiam despontar futuros. E isso era o bastante para que se sentissem vivos e pertencentes a algo para além do concreto.
Outras vezes, sem que ninguém soubesse bem o como ou o porquê, viam nos seus próprios reflexos inimigos com que chegavam a lutar até à morte, movidos por paixões, convicções cegas e jogos de poder, em que ficavam todos a perder.
Quando assim era, qualquer palavra era a palavra errada e um qualquer motivo poderia servir de pretexto para inverter o sentido ao texto. Corriam em desnorte! Sacudiam do capote as culpas entranhadas nos ossos durante tempos sem fim de ilusão e reflexão baça e, em busca de um culpado creavam destruição, estilhaçavam os vidros e davam de caras consigo próprios!

sexta-feira, abril 01, 2005

O ilusionista

Foi com o sacrifício de várias gerações, que aquela moradia tinha vindo a ser mantida propriedade da família e, embora estivesse de certa forma degradada, continuava a ser, um motivo de orgulho para a maioria.
A história do antepassado destemido que a mandara construir, passava de pais para filhos e, à medida que ia sendo contada, adquiria novos contornos. Um ou outro acontecimento podia desaparecer ou nascer, consoante a imaginação de cada um, a geração e o jeito que esse retoque poderia dar no momento.
A casa, com a frente virada ao mar, implantada em terreno fértil, tinha nas traseiras hortas e pomares que confinavam com bosques e matas espalhadas por montes e serranias que, adquiriam tonalidades quase mágicas. ...Um sítio, em que qualquer um poderia viver feliz, não fora a volúvel tonteria de querer ter a garantia, de poder chegar, justamente ao lugar em que não se está, de vir a ter o que não se tem e, por aí além...
Um dia, chegou-lhes ao lugar, um artista... um verdadeiro ilusionista, com uma mala cheia de truques e magias a que ninguém resistiu...
Começou por lhes falar do saldo contabilistico e do saldo disponível...
Explicou-lhe o que era um número negatívo... uma conta a descoberto e as suas respectivas alcavalas, um cheque, uma comissão de atraso, um imposto do selo, uns juros sobre o empréstimo, uma compra com o dinheiro que se presume poder vir a ganhar...
Falou-lhes de conceitos e pôs-lhes notas na mão em troca de espaço no lugar. ...Na prática, comprou uma concessão, para explorar potencialidades com que nunca tinham sonhado! Montou uma banca, atirou um foguete ao ar e deu-lhes a provar salmão de tanques longuínquos, doce de morango com sabor a banana, água com várias cores e sabores, frutas lustrosas e sem bicho, ensinou-lhes regras novas para jogar à cabra cega, ao toca e foge... e, instalou nas traseiras - lá no lugar -, uma fábrica de fazer dinheiro em que pôs todos a trabalhar!
Pagava-lhes com notas e, em troca destas, tanto lhes vendia botas que se usavam em Paris, como o salmão que lhes tinha dado a provar ou, relógios da China que davam música... e, em momentos de maior amargura, adoçava-lhes a boca com doces de uma fruta que sabia a outra!...
Ensinou-lhes o que era o PIB, deu-lhes um cartão e atribuiu a cada um um NIB, promoveu os mais velhos e influentes a VIP, explicou a todos as virtudes do caviar fazendo-lhes crescer água na boca e, quando lho quiseram comprar, concedeu empréstimos celebrados em papel timbrado, contra hipotecas de parcelas da propriedade...
Entretanto, cada vez menos gente amanhava a terra! Chegavam a casa, cansados de dar à manivela na máquina de fazer notas e, por outro lado, em função dos preços a que o ilusionista lhes vendia os produtos que arranjava noutros lugares, tinha deixado de ser rentável fazer o que quer que fosse, para além de trabalhar nesta nova actividade tão lucrativa... De qualquer modo, os terrenos, cada vez mais sobrecarregados de detritos, produtos tóxicos, restos de tintas usadas na feituras das notas... tornaram-se estéreis e, à medida que a fábrica se expandia, o espaço que restava mal dava, para plantar uma couve que fosse!
Uma tarde de pescaria começou a revelar-se impossível, por falta de tempo - que era todo tomado a trabalhar, para pagar juros, comissões e prestações da hipoteca - e, na verdade, ao preço que o salmão lhes chegava à mão, compensava muito mais comprarem-no ao ilusionista, do que pescarem robalos no mar e apresentá-los no prato grelhados... particularmente aos miúdos, que só de os verem ficavam enjoados e infelizes, depois de terem ouvido o ilusionista falar, nas delícias do mar, sem espinhas, feitas de farinhas nutritivas com sabor a lagosta suada e com forma de monstros divertidos.
O simples e antigo ritual de apanhar frutos do bosque, caiu em desuso, perante a oferta das suas polpas finas, açucaradas, vendidas em embalagens atractivas coloridas, com as quais se desenrolavam vários sorteios.
Um dia... o ilusionista, que na prática se tornara em quem mandava, por ter ficado na posse do terreno a ele hipotecado, importou uma máquina de fazer notas semi-automática e, mandou para casa metade dos trabalhadores que se viram forçados a pedir dinheiro emprestado para pagar as dívidas que tinham criado enquanto tinham trabalhado a dar à manivela, mas, como já não estavam inscritos, viram os seus pedidos recusados e os seus cartões outrora dourados foram por magia transformados em pó!... Ficaram sem NIB, deixaram de ser VIP e nunca mais puderam comprar salmão vindo de tanques distantes, ou sumo de laranja a saber a framboesa...
A família, começou a olhá-los de lado, porque a bem dizer... desempregados e mal habituados, eram um fardo! Eles, viram-se forçados a entrar num programa de reciclagem instituído pelo artista, em que aprendiam a não existir e no qual foram bem sucedidos!
Em menos de nada, graças aos avanços tecnológicos, a máquina semi-automática foi substituída por uma outra, totalmente automática e todos os membros daquela família, ingressaram nesse programa de reciclagem, com excelente aproveitamento!
Hoje, embora o lugar esteja muito degradado, tóxico e viscoso, a produção de notas duplicou e a economia do lugar é das mais fortes do mundo! Quanto à antiga família, se bem que se saiba que andam por ali, não são vistos, nem tidos... nem achados...
Quanto ao resto, tudo está entregue a uma máquina, altamente sofisticada que faz notas como que por artes mágicas e, o ilusionista, continua a coleccionar propriedades e, a emprestar as notas a quem se apanha a desejar, comprar-lhe as botas que ele vende e que se usam em Paris.