Foi relutante que subiu ao palanque. De lá, muitos tinham já botado discurso, denunciado e dado corpo a problemas, lançado alertas e suspeitas, criado polémicas... e, se um ou outro não o tinha feito à toa, a maioria limitara-se a escolher algo que no momento lhe parecia errado, encontrar um pressuposto culpado, apontar as baterias, e vai de o desancar sem dó nem piedade, através de exercícios de oratória que mascaravam frustrações e alimentavam a vaidade. Alguns ainda, mais ladinos, tinham na manga objectivos e ambições inconfessáveis, pelo que utilizavam uma retórica hipócrita, procurando levar a àgua a um moinho pequenino, que tinham no umbigo.
Subia hesitante, cheio de dúvidas nos princípios e conceitos herdados, espartilhado entre correntes, teorias e doutrinas e, se por um lado pretendia cultivar a humildade, a honestidade e a verdade, por outro desconfiava que essa sua pretensão pudesse não passar de presunção e no fundo fosse apenas uma forma de ocultar impotência e mediocridade.
Daí a relutância em subir e falar o que quer que fosse, de definir objectivos, traçar planos ou estabelecer prioridades. Tudo, por medo que algo pudesse dar para o torto ou até de se ver caido em tentação e ser apanhado a partir, a repartir e a servir-se da melhor parte, escudado na comum necessidade de não ser um parvalhão e acusado de falta de arte!
Era grande a tentação de não subir, quase tão grande como a vontade de mudar a realidade em que se via mergulhado e que, o incomodava e chegava a ferir em sítios fundos que não sabia definir.
Ainda assim subia, gostava de pensar que assumia risco! Subia, sem saber que uma multidão contratada por profissionais do ramo, marcava presença e se dispunha a demonstrar um vivo interesse em ouvir e apoiar o que quer que fosse dito. ...Uns para pagar ou obter favores, outros mais simplesmente em troca de um almoçinho, de uns copos de vinho, um dinheirinho... todos, se dispunham a acenar bandeirinhas, ovacionar, entoar palavras de ordem bem colocadas por profissionais cada vez mais especializados e competentes!
Discurso feito, espalhada a esperança, haveria gente que em troca dela e por se entender dela necessitada, se encarregaria de o levar em ombros a troco de nada, bradando aos sete ventos que era ele o salvador, o herói de que todos precisavam. ...Assim ele se empolgasse e deixasse fluir boca fora o que os especialistas contratados por quem na sombra o apoiava, lhe tinham injectado nas veias, reunião após reunião, congresso após congresso, palavra por palavra, através de métodos científicos modernos, com excelentes resultados comprovados.
Subia hesitante... mas à medida que subia e ouvia a multidão orquestrada a entoar o seu nome cada vez mais alto, deixou-se invadir por uma inebriante euforia que, como que por magia o tornou determinado.
Vencidas as dúvidas, limpo o picárro com que se chama a atenção a quem cabe ouvir, lançou-se delirante e apaixonado num discurso em que se dispôs a prometer, tudo o que quem o tinha feito subir tinha programado!...
Mais tarde, quando a culpa das promessas não terem sido cumpridas lhe caíu em cima e o tapete lhe foi retirado à medida que por necessidades estratégicas um novo personagem ia sendo promovido e incitado a subir ao palanque... ficou danado! Não fosse a fatia com que à cautela - enquanto partia e repartia - tinha ficado, e tinha dado o tempo por mal empregue. Assim, tirou umas férias para reflectir e preparar o regresso na pele de um novo personagem.
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