terça-feira, fevereiro 27, 2007

O direito à escravidão

Depois de duras batalhas, tinha conquistado o direito à escravidão!
Agora, finalmente, era escravo de um cartão... dourado, e não cabia em si de contente por finalmente se sentir gente com crédito, quase ilimitado!
Era um escravo consciente. Sabia perfeitamente o preço a pagar para poder contar com o ovo no cú da galinha. E dispunha-se a trocar as loucas euforias do consumo com que se afirmava como gente e fazia babar de inveja uns quantos, por previsíveis maus momentos em que sentia a ansiedade a disparar ao ver acumular uma mensalidade após a outra, juros altíssimos, comissões de atraso absurdas, impostos de selo...
O que mais lhe custava, eram os telefonemas inconvenientes daqueles agentes de call center que iam endurecendo o discurso e lhe apertavam o cerco asfixiando-lhe o ego!... Agentes de palavra dura e fria a raiar a má criação, assalariados de gente mesquinha que só pensa em dinheiro, de agiotas maquievélicos que contam com os imprevistos de quem conquistou o direito a ser escravo de um cartão dourado.
Nesses momentos, insurgia-se, revoltava-se, ficava ressentido, sentia-se injustiçado por saber já ter pago o dobro do que tinha gasto, em comissões de atraso. Fechava os olhos, e pensava para consigo se não haveria quem pusesse ordem nesta agiotagem. Depois... depois, foi o milagre! Abriu a carta... e... lá dentro, vinha um cartão de platina!...

2 comentários:

Miss Alcor disse...

Brilhante!!!

É exactamente assim que algumas pessoas vivem a vida hoje! Culpa dos bancos, culpa do consumo, culpa da falta de neurónios... a resposta não sei, mas a vida deve ser vivida de acordo com o provérbio que a minha mãe sempre me ensinou: "compra apenas aquilo que tiveres dinheiro para comprar!"

Adorei este post! Parabéns!

Manuel Veiga disse...

ainda há gente feliz.sem lágrimas nem revoltas. embrulhados num cartão de platina, claro.

excelente texto. abraços