domingo, dezembro 05, 2004

Missiva 6

Durão, desculpa lá estar sempre a interromper mas desta vez ouvi um barulho nos estores... fui ver o que se passava (não é que eu tenha em casa muitas coisas de valor, mas da maneira como as coisas se puseram... nunca se sabe...), mas afinal era o vizinho de cima a pendurar um Pai Natal na janela! Quer dizer, agora, em vez de esperarem que ele venha, penduram-no com quase um mês de antecedência... fica o coitado, atado por uma corda pendurado numa janela dia e noite, ao frio... semanas a fio... depois querem prendas!... Dizem que estes Pais Natais se vendem nas lojas dos Chineses...
Bom, mas voltemos ao meu sonho que tu ainda te vais rir...
Pois como deves imaginar, eu, em plena Praça do Comércio com os tambores a rufar em frente ao Paulinho, fiquei com a alma completamente estapafurdeada, principalmente por não estar a entender nada do que se estava a passar! (sabes o que é que eu quero dizer... não sabes? Se não souberes, dá-me um toque que eu mando-te uma mensagem, ou então, se quizeres manda-me uma mensagem que eu faço-te um desenho.) De qualquer modo não me deixei abalar... enchi o peito de ar e, por via das dúvidas, dei um passo em frente em direcção ao Paulo, bati com a sola do pé no chão (a pessoa acaba por se entusiasmar), bati-lhe a pala e automaticamente disse: "Apresenta-se fulano de tal com o número 1640.". E esperei, quer dizer, fiquei na expectativa... sabia lá!!!... De repente, sem entender como, pairavam sobre mim, milhares de focos, vermelhos, verdes e amarelos, que me inundaram de luz, ao mesmo tempo em que se começou a ouvir os Beatles, a cantar o "All you need is love". O Paulo, com um sorriso que me pareceu franco, saíu de trás da bancada, abraçou-me, agarrou-me na mão virando-nos para a multidão que esperava estupefacta olhando através das grades do portão, e exclamou num tom que ecoou praça fora: "Temos vencedor! Este homem, não só quer que o deixem trabalhar como, felizmente está a dormir!". Aí, a multidão que se tinha mantido num silêncio quase confragedor, explodiu em aplausos e apupos, assobios e gritos histéricos que curiosamente se harmonizavam com os Beatles a tocar em fundo. Os militares, satisfeitos sorriam sem perder a compostura e o Paulo, respeitando o timming destas coisas, foi-me encaminhando com uma pose profissional para a única saída daquilo, que dava para o Tejo! Chegados à muralha, de olhos voltados para o rio, o Paulo pousa a mão esquerda no meu ombro direito e, num gesto largo, esticando o outro braço em direcção ao cais, palma da mão virada para cima, apagaram-se as luzes, rufaram mais forte os tambores e diz-me ele (quase em privado, em tom grave e comovente): "Eis... o prémio pela tua solicitude!...". E, assisto embevecido até às lágrimas, ao emergir de um gigantesco submarino amarelo enquanto que por toda a praça do comércio, os Beatles cantam agora "Yellow Submarine"!...

Ó Durão vai-te deitar, que eu amanhã conto-te o resto. É que, por outro lado, ainda tenho que ir ver o que é que hei-de fazer com o Pai Natal, que com o vento, está a dar com as botas nos estores e é uma barulheira... dorme bem e não te esqueças de ler as babozeiras que eles te puseram a dizer na entrevista que deste ao Expresso, que é para ver se aprendes! Tu és um ingénuo!... Estou farto de te avisar que estes gajos alteram o sentido às coisas... que o Expresso está a perder qualidade... apetece-te dizer coisas, desabafar, seja lá o que for... opá, escreve-me para os comentários, com aquele código... Bem vai lá dormir, que a gente amanhã fala.

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