terça-feira, janeiro 04, 2005

Querida Humanidade

Como posso eu deixar de te amar
Se de ti depende o ar que respiro, o meu alimento, a água que bebo?!
Como posso eu deixar de te querer ver cada vez melhor
mais linda e escorreita, mais alegre e empenhada em fazer cada dia mais belo,
cada momento mais nobre e sublime...
se é desse estado que anseio ver em ti,
que me brota o ânimo para sair do torpor ao despertar?!
Como posso eu, enfim... querer-te mal, esquecer ou renegar a tua existência,
irar-me com a tua mesquinhez e maledicência, com o teu mar de forças brutas
que te afoga mágoas sem fim, frutos de medos...
de quem se vê a viver em espaços vagos de tanta imensidão...
por onde viajas embasbacada,
montada no dorso de uma galáxia que julgas à deriva
através de um Universo
que se te afigura infinito e de tão amplo, de tão fundo... te sugere solidão?!

Quando te vejo...
de olhar desmaiado numa qualquer paragem da vida,
condenando tão simplesmente a tua realidade a tanta infelicidade
(esse lugar ermo para onde arrastas o que te rodeia)...

Quando te encontro...
fria, calculista, entregando de bandeja a alma ao "diabo" a troco de miúdos
com que adquires trastes voláteis, na ânsia de preencher um vazio que sentes no peito,
de onde brotam turbilhões que te envolvem e trazem retorcida de amargura...

Quando te armadilhas...
com ciladas e mentiras, com explosivos à cintura
com que espalhas o caos que te consome herdado de tempos antigos,
povoados de sombras, de guerras, mártires e culpas...

Quando violas a Terra...
lhe sugas as entranhas até à exaustão extorquindo-lhe a matéria
que usas para fazer as bombas, com que depois a perfuras em estratégias delirantes,
como quem morde a mão ao dono...

Confesso,
que por breves momentos,
na minha pequenez...
me chegas a repugnar,
com esses ares a que te dás tão levianamente, qual Deus,
cheia de orgulho podre de arrogância cega e surda, com que afirmas pretender
conquistar o coração do Mundo, governar a tua vida e alcançar a felicidade.
Revoltas-me, confesso...
com essa tua luta tonta,
com que esmagas esperanças de paz,
qual mariposa em desnorte,
que voa direita à luz da chama em que queima as asas.

Mas logo se me amainam os ânimos
olhando a tua heroicidade
enquanto caminhas na tua senda e te aventuras no escuro
murmurando melodias de ninguém que nascem no fundo das almas sós, perdidas no tempo.
... E entendo...
porque partiste, porque deixaste partir...
cada amigo, cada pai e irmão
de bandeira na mão marchando contra os canhões...
Entendo... cada mentira,
cada intriga semeada, cada saque,
cada vício que adquires em desarmonia,
cada pedaço de infelicidade
que cozinhas emproada na panela do teu descontentamento...
e adivinho nos recônditos,
quero acreditar....
em pedaços de amor oculto,
talvez até já esquecido,
envolvido por camadas de realidade, em constante e inevitável putrefacção
e como para mim, nem sempre que algo corre mal é útil ou possível encontrar culpado
e o homem não entende assim tão bem razões distantes...
reencontro forças em cada erro em que persistes
para te amar, cada vez mais
ainda que com esgares de ódio, medo ou estupidez,
me olhes de soslaio sem te rever em mim...
em cada elevador, em cada túnel de metro,
em cada praça pública que nos cruzemos, em cada edifício
em que as nossas vidas fermentam paredes meias.

Cada vez mais,
quero eu lá saber, se és homem ou mulher...
se és árabe ou cristão...
se és um fanático do futebol ou se és preto ou esquimó...
quero eu lá bem saber de tudo isso
que como cascas de cebola nos envolve, dá forma e a todos tem, feito chorar!

Sei!... Isso sim,
que tenho que te amar.
Nada mais me resta!
...Ainda que isso se possa revelar uma árdua tarefa,
quer porque o teu cheiro me enjoe,
os teus hábitos me choquem ou a tua arrogância me revolte.

Com amor,
não faz mais sentido
que a ignorância e a miséria sejam fontes de riqueza e mais valia!

Tenho que te amar e não posso perder mais tempo!
O espaço ficou mínimo, para andarmos à beirinha a brincar à cabra cega
com as cartas a cair da manga.

O Sol, que nasce todas as manhãs
ou as galáxias que não vagueiam sem destino,
não continuarão a tolerar este tumor
feito de ódio velho que teimas em adensar,
este desamor que fazes ponto de honra em estimar
desde que levantas-te as patas do chão
escudado por detrás da "natureza humana"
fazendo passar de boca em boca,
de geração em geração,
que nada mais nos resta senão:
dar-mos cabo uns dos outros e partir a casa toda!

Tenho que te amar, como a um filho, como a um pai...

Quer os donos dos palácios,
esses terráqueos enfeitiçados pela sua própria sombra,
queiram ou não,
tu, és o irmão a quem se perdoam todos os pecados
o filho para o qual os pais olham embeiçados
o homem com quem a todo o momento será possível,
construir novas realidades que nos assentem melhor nos ombros!...

Tenho que te amar... e urge fazê-lo já!
Aqui e agora!
Não quero mais suportar,
ver-te nos olhos esse olhar
que se me entranha na alma e contagia com essa peste
que assola o mundo e me deixa sozinho como um cão tinhoso, uivando ao vento,
espartilhado por religiões, filosofias, culturas... correntes em desvario...
condenado a engolir palavras em seco,
a ficar amargo e ressentido com tanta estupidez,
com tanta bestialidade e falta de cumplicidade.

Tenho que te amar
e todos lá bem no fundo sabemos...
que é urgente conversar!
Fumemos o cachimbo da paz,
bebamos vinho ou chá de menta, sabemos...
que é essa a única maneira
de encontrar pontes,
portas e chaves
e pouco ou nada tem a ver...
com negociar!...

2 comentários:

Ana disse...

Simplesmente profundo e belo.
Parabéns.

uivomania disse...

Obrigado Ana. Para ser sincero estou um bom bocado apaixonado por esta torrente de palavras que me saiu da moleirinha. Vamos lá ver até que ponto tem asas para voar!...